CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E COMUNIDADES RIBEIRINHAS
Dos Conflitos Socioambientais
Se para a preservação do meio ambiente está a Justiça Ambiental, para os conflitos sociais, que envolvem o meio ambiente está a “injustiça ambiental”, ideia que se contrapôs aquela primeira. Trata-se, pois, de um movimento teórico-discursivo que permite a análise da gênese dos conflitos sociais de grupos da vulneráveis, que nos moldes ampliativos do Brasil não afeta somente os negros, mas também às populações indígenas e ribeirinhas que estão em contato direito com o meio ambiente afetado pela má gestão pública, que são as principais populações afetadas pelos impactos ambientais, somam-se a 61,95%), em decorrência dos conflitos sociais, em que vivem as regiões de preservação.(ISA, 2016). Desse modo um novo modelo de apropriação da questão ambiental, aplicada as tensões sociais de descaso ao interesse público local, advém daquele ambiental, e isto é de responsabilidade do Estado (ACSELRAD, 2010). A injustiça ambiental atua num âmbito coletivo das sociedades desiguais onde o maior impacto dos danos ambientais recai sobre os nichos sociais de baixa renda, aos discriminados e parcelas marginalizadas que não conseguem exercer sua cidadania ativa (BULLARD, 2004, p. 42).
Em linhas gerais, os conflitos sociais consistem na luta de classes com a resistência das classes vulneráveis - como já mencionadas no parágrafo acima -, na relação de poderio das classes dirigentes acerca do seu modo de agir culturalmente, exercendo um monopólio sobre a organização social daquela resistente, ou seja, a omissão do Estado em não fornecer novas práticas de condutas de igualdade. Esta imperfeição da sociedade é natural, em decorrência do pluralismo político, cabendo ao poder público geri-los e negociá-los (HERCULANO, 2001) assim, observa-se que a desigualdade é preponderante, criando óbices na negociação dos conflitos.
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| Conflito Socioambiental |
Os conflitos ambientais são uma espécie de conflitos sociais, que ocorrem quando há disputas na sociedade envolvendo questões ecológicas, como espaço, o uso dele para fins de extração de recursos naturais. Ou seja, conflitos que envolvem a natureza “como objeto e que expressam as relações de tensão entre interesses coletivos/espaços públicos versus interesses privados/tentativa de apropriação de espaços públicos” (CARVALHO et al. 1995, p. 7).
A corrente do ecossocialismo (justiça ambiental) analisa os conflitos socioambientais como estruturas que se repelem, nascidos de uma situação de antagonismo estrutural própria da economia capitalista atual, em que produzir é condição para a busca do crescimento econômico em detrimento da preservação do meio ambiente e com as formas de vida social não capitalistas, que refugiam-se sobrevivendo às áreas de produção em expansão corroborando a existência de áreas urbanas degradadas e abandonadas pelas forças econômicas (HERCULANO, 2006), com “pluralidade de autores do dano ecológico” vinculado com a “fonte poluidora”(MACHADO, 2015).
Dos Ribeirinhos e o Racismo Ambiental
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| Comunidade Ribeirinha do Rio Croa, Estado do Acre |
A colonização da Amazônia, atingiu status de glamur, ora pela invasã européia em terras brasileiras, com a disseminação de novos saberes dos antropocentricos de Portugual, ora pela mercantilização da vida dos povos tradicionais, em contraste ao exuberante ecossistema amazônico cujos recursos naturais abasteciam as necessidades humanas à época, sobretudo, em salvaguardar sítios, comunidades e lugares intocáveis, a exemplo dos indígenas isolados no Acre, descobertos somente em 2009. Contudo, as áreas habitadas pelos povos pobres que não eram colonizadores foram integradas a morar em comunidades à beira-rio, confrontando territórios de transição, seja pela influência do modelo expansão urbanística econômica ou pela bacia hidrográfica do Rio Acre que acolhe as gerações familiares ribeirinhas, denominadas de Áreas de Proteção Permanente (APP), as quais submetem-se a o modelo supra de urbanidade, em detrimento das suas identidade e, sobretudo da sustentabilidade local, o que resume-se na segregação da ancestralidade estigmatizada pelas instituições urbanísticas do Estado que seguem inertes ao fomento de políticas públicas adequadas de democracia sustentável (FRANCA et. al, 2011, p. 2).
Ocorre que a intervenção urbana às margens dos rios amazônicos fez das águas seu território de produção econômica e social, que hoje passam pela vulnerabilidades de identidade no que tange ao desenvolvimento humano, em razão das alterações profundas e drásticas ao meio ambiente que acarretam os conflitos socioambientais. Isto porque as populações ribeirinhas foram inferiorizadas pelo ideal tradicional europeu antropológico no processo de colonização estabelecendo a distinção entre superiores(os europeus) e inferiores(os ribeirinhos e indígenas) (CHAUI, p. 353).
Ao buscar a transformação do estigma enraizado pelos europeus, foram aproveitados recursos florestais para a construção de uma base sustentável ao Estado do Acre, todavia, os princípios ecológicos de ocupação das bacias hidrográficas foram intencionalmente excluídos dos programas norteadores de políticas públicas, posto que o desenvolvimento urbano-local foi direcionado apenas para a expansão territorial, com a incorporação de métodos que agravaram a morfologia das áreas devastadas sobre os rios (FRANCA et. al, 2011, p. 5).
Neste diapasão, a identidade ribeirinha permaneceu “sufocada”, como por exemplo da retirada da mata ciliar das margens dos rios que ocasionou desbarrancamentos e que promove a formação de voçorocas, nas de APP, “como buritizais, são ocupadas irregularmente por assentamentos humanos. Os bairros periféricos de Rio Branco/AC apresentam condições que não são dignas para um ser humano, casas de palafitas sobre os igarapés” (REIS et al., 2009, p. 317).
Em decorrência disto, os ribeirinhos, habitantes próximos ao Rio Acre, na cidade de Rio Branco, são atingidos pelas inundações, consequência da “inexistência de um planejamento estratégico de ocupação de área”, declinando a identidade tradicional destes povos ao passo que a orla do Rio Acre é alterada pela expansão territorial (MESQUITA, 1996, p. 14).
Paulo Saldivar, (2021), alerta em relação a inundação de mais de 20 cidade do Acre em 2021, incluindo povos ribeirinhos habitantes às margens do Rio Acre, que além de enfrentar problema com altos índices de contaminação por COVID-19 e dengue, “aparentemente, os grandes centros, quando veem uma tragédia como a que está acontecendo no Acre, não conseguem desenvolver uma visibilidade em medidas de amparo e proteção”, algo que diz muito sobre o Estado individualista propondo políticas públicas que vão além do interesse nacional transcendendo horizontes próprios.
Nesta toada, é pertinente aplicar o termo “racismo ambiental”, que:
Exprime o fenômeno pelo qual muitas das políticas públicas ambientais, práticas ou diretivas acabam afetando e prejudicando de modo desigual, intencionalmente ou não, indivíduos e comunidades de cor. Para Bullard, o racismo ambiental é, portanto, uma forma de discriminação institucionalizada, que opera principalmente onde grupos étnicos ou raciais formam uma minoria política ou numérica (BULLARD, et. al. RAMMÊ, 2012, p. 18).
Isto se relaciona, ao biopoder de Foucault ao Estado de Exceção, o qual se traduz na possibilidade de decisão de pessoas vivas e mortas, ou que devam morrer, este campo biológico ambiental que controla o meio e os grupos distribuídos e subdivididos em grupos, sob um aspecto de censura biológica, ao exemplo da antropologia européia, resumindo-se ao racismo, pelo qual insurge à análise de política de morte, que legitima o exercício do biopoder: “aquele velho direito soberano de morte”, que é função econômica do Estado (p.7)
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| Casa Ribeirinha em Mancio Lima/Acre. |
Guimarães Antônio (1999) entendeu que o racismo tem sua gênese na propagação de uma doutrina de desigualdade humana. Ora em métodos de conquista; Ora, pela opressão. Sendo, portanto, uma desigualdade que advém da supremacia cultural de um grupo a outro, e que assim legitimou os países a conquistas e outros a serem conquistados, ou seja, numa ideia de que há uma cultura acima da outra que afirma o poder de colonizar outros povos (GUIMARÃES, 1999, apud COELHO; CARPES, 2015).
Bourdieu (1974) entendeu como um “anti-status”, uma vez que a classe social se constitui não somente pela posição hierárquica superior a outra, mas também pelos diversos fatores estruturais de uma sociedade, tendo em vista a sua identidade cultural, neste entendimento, as relações entre um grupo e outro se transmutam pelo fato de serem simbolicamente distintos, e, por conta disso, tendem a se organizar em sentido contrário aqueles que os oprimem.
Alerta, Acserlrad, ( 2006 p. 5), que a condição de vulnerabilidade que se encontra tais grupos é definida pelo resgate do convívio destas populações discriminadas, de modo que “os grupos sociais convivem com horizontes e expectativas de vida distintas: quanto mais estreito for o arco das expectativas, maior a propensão a aceitar condições, em outras circunstâncias, momentos e lugares, inaceitáveis”.
REFERÊNCIAS:
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ACSELRAD, Henri. Vulnerabilidade ambiental, processos e relações. In : Comunicação ao II Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais. Rio de Janeiro: FIBGE, 2006. Disponível em: http://www.justicaambiental.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/VulnerabilidadeAmbProcRelAcselrad.pdf. Acesso em jul. 2018.
BULLARD, Robert. Enfrentando o racismo ambiental no século XXI. In: ACSELRAD, Henri et al. Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Fundação Ford, 2004.
BOURDIEU, Pierre. Condição de classe e posição de classe. In: AGUIAR, Neuma (org.). Hierarquias em classes. Rio de Janeiro, 1974.
CARVALHO, Isabel; SCOTTO, Gabriela. Conflitos sócio-ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Ibase, 1995. v. 1.
COELHO, Helena carvalho; CARPES, Lorena Ferreira. A teoria da Injustiça Ambiental como ocultamento da ocorrência do Racismo Ambiental na sociedade brasileira. 2015. Disponivel em: https://acervo.racismoambiental.net.br/2015/06/04/artigo-a-teoria-da-injustica-ambiental-como-ocultamento-da-ocorrencia-do-racismo-ambiental-na-sociedade-brasileira/. Acesso em mar. 2021.
CHAVES, Maria R.; BARROSO, Silvana C.; LIRA, Talita M. Populações tradicionais: manejo dos recursos naturais na Amazônia. Revista Praiavermelha, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 111-122, jul./dez. 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2005.
FRANCA, Soad Farias da; ROMERO, Marta Adriana Bustos; RIBEIRO, Rômulo José da Costa. Preservação da paisagem ribeirinha na Amazônia 9º seminário docomomo brasil interdisciplinaridade e experiências em documentação e preservação do patrimônio recente brasília . junho de 2011 . www.docomomobsb.org.
HERCULANO, Selene. Justiça ambiental: de Love Canal à Cidade dos Meninos, em uma perspectiva comparada. In: MELLO, Marcelo Pereira de (Org.). Justiça e sociedade: temas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2001.
HERCULANO, Selene. Lá como cá: conflito, injustiça e racismo ambiental. In: Seminário Cearense contra o racismo ambiental, 1, 2006, Fortaleza. Anais... Fortaleza, 2006.
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Relatório de atividades 2016. Disponível em: https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/relatorios/rel_anual_2016_isa_web.pdf; e https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-monitoramento/por-que-nao-minerar-em-terras-indigenas; https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-monitoramento/ucs-e-tis-na-amazonia-sao-afetadas-por-mais-de-175-mil-processos-de-mineracao. Acesso em out.2019.
LOUREIRO, J.C. Adeus ao Estado Social? A Segurança Social entre o Crocodilo da Economia e a Medusa da Ideologia dos “Direitos Adquiridos”. Coimbra: Coimbra Editora, 2010.
MESQUITA, C. Claudemir. As inundações da Bacia Hidrográfica do Rio Acre no Município de Rio Branco: Alternativas de Ocupação. Rio Branco: Seplan/Proeza, 1996.
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